Nesta seção do blog, vou entrevistar pessoas que acho interessantes não só por sua personalidade, mas pela maneira como usam suas plataformas para criar impactos positivos. Espero que através deste perfil, vocês possam conhecê-los um pouco melhor e quem sabem se inspirem a procurar um pouco mais sobre o trabalho incrível que cada um deles está fazendo. Juntos somos mais sempre!
Para estrear a seção, convidei a jornalista Kamille Viola, que deixou bem claro, estar muito mais acostumada a entrevistar do que a responder perguntas. Mas foi muito gentil e se prontificou a abraçar o projeto. Aqui, deixo vocês com um pouquinho desta conversa. Fiquem à vontade para ler tomando um café, um suco ou como fariam num bate-papo gostoso quando vão conhecer alguém.
Muito Prazer: Kamille Viola
Como começa o seu dia?
A não ser que eu tenha pauta logo cedo, acordo, ouço um áudio que é uma espécie de meditação diária (de uma mulher chamada Paty Nunes, ela tem um canal no YouTube), tomo café, tomo banho e vou pro computador (meu escritório é na minha casa). Se tenho uma entrevista ou algo do tipo, pulo etapas (risos). Esta semana comecei na academia, então depois de tomar café eu passo lá. Como meu dia de trabalho vai até mais tarde (costuma ser assim nas redações também), não atrapalhou.
Você tem algum ritual ou rotina no seu processo criativo/de trabalho?
Costumo dar uma olhada nas redes e em sites com matérias de cultura/comportamento pra ver se tem alguma novidade. Também depende do trabalho do momento. Nos últimos tempos tive que ler vários livros e fazer pesquisas no acervo da Biblioteca Nacional.
Duas pessoas que te influenciaram muito na sua jornada (pode ser pessoal ou profissional) e o porquê.
Um é o Alvaro Costa e Silva, jornalista de cultura e meu amigo. Uma pessoa criativa, engraçada, com um texto delicioso. O Marechal, como ele é chamado pelos amigos, é um daqueles jornalistas de uma linhagem que eu creio que esteja em extinção, ele próprio um personagem, talentosíssimo, muito culto, conhece todo mundo, foi amigo de grandes nomes da nossa música. Um talento e tive a sorte de me tornar amiga dele, que me incentivou em diversos momentos. Brinco que ele é o meu oráculo, porque sempre que tive alguma dúvida e recorri ao Marechal ele tinha a resposta. Outra é a Karla Rondon Prado, também jornalista, que foi editora-executiva do jornal O Dia e minha chefe durante dez anos. Devo a esse tempo no Dia quase tudo que sei sobre trabalhar em redação, e foi muito importante observar a Karla, uma mulher tendo que se impor em um meio dominado pelos homens , o que não é nada fácil. Foi a pessoa que me deu minha primeira chance em um grande veículo, e sou grata por isso. Além disso, durante alguns anos (já não me lembro quantos) tivemos um blog de cultura juntas, o Pós-Pop, e foi uma experiência muito enriquecedora também.
Um disco que te marcou.
São alguns, mas vou escolher o “Força bruta”, do Jorge Ben. Eu já gostava do Jorge por causa dos sucessos, o primeiro disco dele que eu tinha ouvido tinha sido o LP do “A Banda do Zé Pretinho”, que eu tinha pedido emprestado a um conhecido, nos anos 90. Anos mais tarde, comprei em um sebo alguns CDs do Jorge, daquela série “Colecionador”. De cada um eu conhecia um pouco: o “Força bruta” eu levei por causa daquela música “O telefone tocou novamente”, que eu adorava. Viciei no disco e no Jorge, passei a pesquisar a vida dele, acabei conhecendo ele, entrevistando ele (o que é sempre muito difícil), hoje conheço (e tenho) praticamente toda a obra dele.
A melhor comida do mundo é…
A da minha avó. Pena que recentemente ela tenha parado de cozinhar (acabou de fazer 98 anos!). Sério, a minha avó fez vários cursos de culinária e fazia receitas maravilhosas, com técnicas francesas, além das receitas italianas da família dela etc. Foi ela também que me ensinou a cozinhar, quando eu era criança. Se for pra escolher um prato não sei, mas acho que comidas com amor e que lembrem o que a avó da gente fazia.
Eu escolhi pessoas para entrevistar cujo o trabalho me tocou de alguma maneira. Seja pela criatividade, por unirem engajamento social e trazerem luz à assuntos importantes de forma leve, mas sempre presente. Pessoas que independente da área, representam e acreditam em serem agentes de mudança. Neste tom, queria perguntar como define seu trabalho e falasse um pouco sobre o que significa para você promover mudanças.
É difícil falar sobre meu próprio trabalho dessa forma… Eu sou originalmente jornalista de cultura (comecei falando de música) e uns anos depois comecei a escrever sobre gastronomia também, o que sigo fazendo. Depois que virei freelancer passei a fazer também matérias de comportamento, sobretudo as voltadas para mulheres. Não sei se meu trabalho de fato promove mudanças, mas espero que de alguma forma promova. Procuro dar visibilidade a personagens ou temas que acredito que mereçam essa visibilidade. Desde temas mais densos, como a questão da mulher, aos mais leves, como captar alguma tendência na gastronomia, por exemplo. Tenho algumas premissas, como tentar humanizar personagens e tentar incluir pessoas negras no máximo de pautas que eu puder, porque em geral elas são minoria nesses espaços.
O seu trabalho é sua forma de…
Realizar algo que eu gosto muito, que é escrever, falando sobre assuntos que acho relevantes.
Uma entrevista que fez que foi um divisor de águas pra você.
Não sei se teve alguma entrevista que tenha sido um divisor de águas, mas fiquei feliz em entrevistar o Jorge Ben Jor e o Chico Buarque, duas pessoas pouco acessíveis para a imprensa. Agora, sem dúvida, cobrir as manifestações seguintes à morte da Marielle Franco, tendo entrevistado a própria, foi algo que me marcou muito. Eu tinha feito parte da entrevista com ela dentro do carro, logo que ela tomou posse (janeiro de 2018), e quando ela foi morta a lembrança daquele dia vinha toda hora à mente. Fiquei muito chocada com o assassinato dela, mas cobrir as manifestações seguintes ao crime me deu um sopro de esperança. Foi bonito ver a capacidade de mobilização das pessoas.
Realmente momentos como esse fazem a gente ter esperança. E como estamos precisando de esperança ultimamente…
Outra coisa bem legal que você faz é colaborar com vários sites, blogs e revistas, seja conversando com a Lorenna Vieira, namorada do DJ Rennan da Penha e trazendo foco sobre a questão da criminalização do funk, ou usando sua plataforma para falar de projetos musicais que acredita ou entrevistando ícones seus como o Martinho da Vila, suas entrevistas também contam um pouco sobre a Kamille.
Explica um pouco como acontece, se você propõe certas pautas para alguns veículos, ou já te buscam com alguma ideia e rola uma colaboração a partir daí.
A maioria das vezes eu proponho as pautas que faço, mas de vez em quando faço pautas que os editores me passam (principalmente na Marie Claire).
Uma pessoa viva ou morta com quem gostaria de jantar.
De vivas com o Chico Buarque, adoraria ouvir o que ele tem a dizer. Volta e meia, quando acontece algo no no país, eu penso: “O que será que o Chico tá achando disso?” De pessoas já mortas Clarice Lispector, Carolina Maria de Jesus, Serge Gainsbourg…
Bem eclética e interessante essa mesa de jantar…
O último livro que leu.
“Meu caminho é chão e céu – Memórias”, do Dadi, baixista superimportante na história da música brasileira.
O pior defeito que alguém pode ter.
Nossa, não sei. Ficar feliz com o mal alheio e julgar os outros de forma implacável, talvez.
Uma cidade. ( que já foi e ama e/ou uma que ainda sonha em conhecer)
Nossa, difícil escolher uma só que eu ame… Eu amo adoro viajar e queria ter dinheiro pra fazer isso mais constantemente. Adorei Atenas, onde fui duas vezes, achei o povo grego muito caloroso, meio tipo a gente. Claro que só tive a experiência de turista, mas até fiz duas amigas por lá. Acho o Brasil o lugar mais lindo que já visitei e ando louca pra conhecer Maceió, infelizmente ainda não fui a Alagoas. E também quero ir à África, sou muito curiosa pra ir a Moçambique, Angola e África do Sul.
Qual a melhor parte do seu trabalho?
A melhor parte do meu trabalho é trabalhar com escrita, meu sonho desde que aprendi a ler e escrever, e falar de assuntos dos quais eu gosto e nos quais acredito.
E o maior desafio?
Um dos maiores desafios é conseguir se manter sendo repórter. Na verdade, acho que não daria, estou sobrevivendo porque faço outras coisas, como curadorias, roteiros, pesquisas etc. E o outro é entrevistar pessoas que acabaram de passar por histórias difíceis ou que estão te contando situações traumáticas/injustas, tem vezes que dá vontade de abraçar o entrevistado. A gente tem vontade de resolver a situação da pessoa, mas em geral o que pode fazer é dar visibilidade ao problema dela, tentar fazer com que a comoção em torno da história se reverta em algum tipo de ajuda para aquela pessoa.
Uma coisa pela qual gostaria de ser lembrada.
Nossa, que difícil! Acho que gostaria de ser lembrada por ter escrito um livro bonito (espero, um dia) e por ter sido uma boa pessoa. Espero ser.
Pra terminar, como seria o seu dia ideal no Rio de Janeiro( você que tem tantas dicas e conhecimento de causa)?Além de ser carioca da gema, dá sempre boas dicas do que se fazer na cidade…
Adoro o Rio, fica difícil escolher uma coisa só! Um programa que adoro é ir à Praia Vermelha e no fim do dia ficar na mureta bebendo e vendo o anoitecer. Aliás, praia é sempre uma boa, e adoro ir no Leme – depois dá pra comer num dos lugares legais que existem pra lá, uma paixão recente é o quiosque do Aconchego Carioca, de noite o S Bistrô (antigo Salomé). Também adoro passear pelo Centro e seus prédios históricos, ir em botecos tradicionais como a Casa Paladino, passar no CCBB, no Real Gabinete Português de Leitura, nas igrejas, na orla Conde… Aliás, adoro simplesmente andar pela rua admirando os lugares dessa cidade. Eu cresci na Tijuca e acho que todo mundo tem que ir pelo menos uma vez na vida na Floresta da Tijuca (meus pais me levavam muito lá na infância, depois de adulta eu fui algumas vezes), depois vale emendar com os botecos maravilhosos de lá, tipo Momo ou Da Gema. Ah, e a dobradinha Bar Brasil + show no Circo Voador, amo! Já andei muito por essa cidade e hoje em dia por comodismo e a correria do dia a dia acabo ficando mais no eixo Tijuca-Centro-Zona Sul, mas o Rio tem coisas legais em todos cantos pra se fazer.
Gostou? Quer conhecer mais do trabalho da Kamille? Ela escreveu esse mês pela Trip, uma matéria incrível sobre o destaque e a mudança de simbologia que vem acontecendo em torno do nome de Exu, graças ao trabalho de artistas como Serena Assumpção, Karina Buhr, Luê, Xênia França e Baco Exu do Blues, entre outros. Vale muito a pena a leitura! Só clicar acima e conferir!
E fiquem de olho para o próximo perfil!
Foto: Bárbara Lopes