Matilda Inquieta

Nascido da necessidade de ser e estar presente em linhas e palavras que dão vida e sentido a desejos e sensações que às vezes, só ali, encontram espaço e sentido.

Very Ralph

Tem marcas que tem um DNA tão forte que não é preciso muito para que a gente imediatamente saiba o que é. Ralph Lauren, definitivamente é uma dessas marcas. Mais do que um designer de roupas, Ralph foi pioneiro em vender um lifestyle. Entender e antecipar as necessidades do consumidor, oferecendo mundos inteiros baseados nos pilares do grande “american dream”.

     No documentário Very Ralph, você fica sabendo um pouco mais sobre a vida desse então menino judeu do Bronx, que começou como vendedor de gravatas e decidiu projetar em suas criações todos os sonhos que tinha para si. Da magia do cinema dos anos 30 e 40, expressão máxima de um luxo congelado no tempo, ao estilo livre e pé no chão dos cowboys americanos e até o fascínio pela natureza e cores inspirados nos índios norte-americanos. Muito mais do que criar roupas, Ralph sempre quis contar histórias e suas criações são um reflexo direto disso. Nem todos nós poderemos um dia ter a casa, fazer parte do clube ou viver o estilo de vida, mas ao adquirir uma peça da marca, imediatamente sentimos que somos aquilo, nem que só um pouquinho.

      Diferente da maioria dos estilistas, Ralph é um homem de negócios, e viu no negócio dos sonhos, a melhor maneira de criar e impulsionar uma marca para os Estados Unidos e para o mundo. O sonho americano é o tema de suas coleções há mais de 50 anos. Talvez por isso, a marca tenha tanto apelo dentro e fora do país.

      Sejam filhos de imigrantes, como ele próprio, jovens de centros urbanos, ou jovens de lugares como Toquio ou Paris, ter uma camisa polo Ralph Lauren é ter um pedaço do que os EUA significam em suas mãos: um ticket instantâneo para se sentir parte de algo muito maior.

      E a narrativa de “tudo é possível” se fortalece ainda mais pela história de origem do estilista, que de berço humilde alcançou fama e fortuna, e tem suas criações usadas por celebridades e figuras de poder do mundo todo. Ralph forjou seu caminho e criou seu próprio filme, onde ele é o galã, o herói e o mito. Participando ativamente não só na criação das roupas, mas como modelo em suas próprias publicidades, com ou sem sua família ao melhor estilo “família feliz do comercial de margarina”, ele vende possibilidades. Que talvez, assim como ele, você também consiga tudo o que sonha. E isso é poderoso.

     Nos últimos anos, a marca vem sofrendo duras críticas, por exaltar e vender um certo tipo de luxo e de beleza. Uma narrativa idílica de uma América que para muitas pessoas nunca existiu. Uma América de possibilidades e privilégios, onde só certas vozes e certas belezas têm espaço. E essas discussões estão certíssimas.

    Mas o que é o mercado de luxo, se não algo aspiracional? A pergunta que devemos nos fazer é porque depois de tanto tempo, nossas aspirações continuam tão limitadas. Quem define que histórias nos interessam e de quais mundos queremos fazer parte, somos nós como indivíduos e de maneira coletiva, como sociedade. Ralph pode ter a visão dele, mas ela não é a única. Novas vozes, roupas e ideias de luxo existem e a vontade por narrativas diferentes nunca esteve tão em debate. Mas com todo progresso, imediatamente vem o push-back, e a tendência do luxo silencioso está aí, para empurrar todo mundo de volta para determinadas caixinhas, e de maneira antiquada, dizer quem importa e quem não. O que é elegante e o que não é.

     A verdade é que como beleza, estilo e elegância são subjetivos, e são formadas pelas referências que colecionamos na vida. Não cabe mais um código de vestir ou de comportamento que se baseie num único molde em um mundo tão globalizado.

Talvez nosso erro seja querer que a ideia do luxo venha dos outros. Se a moda é expressão, expressemos nossas próprias vontades, desejos e histórias. Sem olhar ou esperar validação. Mas sim, porque é o que nós queremos e achamos belo. A individualidade enriquece não só a moda, mas o mundo. Somos muitos, somos diversos e precisamos abraçar isso.

     Mas não é porque não concordo com o ethos da Ralph Lauren que eu não consiga ver seu valor. É uma marca que sabe suas forças e fraquezas, que não quer nem promete ser vanguarda, e sim um lugar onde você sabe o que vai encontrar. É conforto, é pertencimento, é um tipo de beleza e luxo que faz sentido para as pessoas. Você não precisa ser da moda para entender ou gostar. Como Ralph diz no documentário, ele não quer estar nem “too hot or too cold”. Ele apenas quer estar.

      É o sonho americano engarrafado num perfume, numa camisa e claro, nos mil acessórios para casa que eles oferecem, dizendo que você também, pode viver na fantasia. Na do Ralph, pelo menos.

      Vale a pena assistir e entender a criação do sonho, da empresa e da marca que há mais de 50 anos ensinam para os EUA e para o mundo, o que é, mesmo que de maneira utópica e um pouco míope, ser americano.

       Goste ou não goste, Ralph Lauren já tem seu lugar garantido na história da moda. Se vai ter no futuro, isso é uma outra conversa.

        Mas a verdade é que poucos estilistas conseguem virar parte da cultura e ter sua imagem e visão tão claras ao ponto de virar um adjetivo. E ele conseguiu. E isso é “very Ralph”.

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